quarta-feira, 6 de julho de 2011

Crônica

As mentiras que os homens contam

(para si mesmos)

Serje conhecia Nelice desde criança; e desde criança a amava. Um daqueles amores inexplicáveis que a gente ouve falar e não acredita. Só que Serje era um menino muito tímido e não reunia coragem para se declarar para Nelice.

Dia após dia, Serje sofria com sua timidez. Tinha receio em acordar pela manhã, se arrumar e ir para a escola, pois, lá, encontraria Nelice. A linda e intocável Nelice. Mas, uma manhã, Serje acordou mais cedo que o habitual. O menino, então, se ajoelhou na cama e contemplou a janela; tentava ver a roda mestre do mundo, como as coisas funcionavam e como tudo parecia fazer um sentido. Assim, tomou uma decisão; arrumou-se e foi ao colégio, como todos os dias.

Ao chegar em casa, depois da aula, tinha um sorriso inexplicável no rosto. Sua mãe notou isso; a mãe de Serje, como todas as mães dedicadas, notava os menores detalhes nas feições do filho. Intrigada por aquela expressão, que vinha do começo da tarde até a hora de dormir, quando ela beijava sua testa com todo amor que uma mãe pode dar, ela não agüentou e perguntou “filho, por que você está exibindo esse sorriso satisfeito desde a hora que chegou em casa?”. Serje, muito confiante, respondeu “é porque estou namorando a Nelice, mãe”. A mãe, espantada, ficou sem palavras; seu filho, tão menino, namorando. “Eu a amo, mãe”, ele falou. Ela, então, olhou serenamente para ele, deu um sorriso, e disse para ele ir dormir e tomar cuidado com o que sentia. Mas, Serje sabia bem o que estava fazendo.

Os dias se seguiram, Serje sempre de sorriso satisfeito no rosto. Os anos se passaram e seu sorriso continuou ali, pois ele namorava Nelice, a sua amada. Alguns homens apareceram na vida de Nelice; se Serje sabia? Sim, pois ele não a perdia de vista. Só que ele não se incomodava, pois o seu amor era maior que tudo. Nunca sentiu necessidade de colocar-lhe uma aliança no dedo e, sempre prometera a si mesmo, no seu íntimo “serei fiel até a morte”.

Os amigos de Serje não compreendiam seu sentimento, diziam que ele louco por amar uma mulher assim, que parecia nem notar sua existência. Entretanto, Serje não os ouvia. As vozes dos seus amigos não entravam por seus ouvidos, ribombavam nas paredes do seu quarto branco, no fundo da sua cama de ferro frio e escorriam pelas mangas longas de sua camisa; mas, nunca, entravam nos ouvidos de Serje.

Enquanto assistia TV com seus amigos na cafeteria, ele recebeu a notícia: Nelice havia sido atropelada. Ele não precisou ouvir o nome dela na chamada, somente o close do camera-man nos sapatos daquela que já parecia morta, estatelada no chão da rua. Os sapatos que ele conhecia de cor, de tanto olhá-los.

Ensandecido, louco, Serje correu pelos corredores diante. Muitos o observavam sem entender o que estava acontecendo; homens corriam atrás dele, tentando pará-lo, para que ele não cometesse nenhuma loucura. Então, viu o portão fechado. Olhou para os lados, estava cercado. Totalmente preso.

* * *

Serje está sentado no seu quarto branco, ajoelhado. Nesse quarto não há uma cama; ele tem que dormir no chão. Isso se ele conseguisse dormir.

Olha para fora, tenta chamar a atenção do homem que vigia sua porta. Mas, não consegue; suas mãos estão presas atrás das costas, não há como bater na porta; seus gritos também são inúteis.

O que mais o incomoda é o fato dali não haver uma janela, sua janela. A janela por onde ele pode observar o mundo lá fora, ver a casa dela, seu sorriso, seus sapatos.

Parado ele fica. Um homem vestido de branco, de aparência amigável, entra na sala e dá-lhe alguns comprimidos. Ele, aos poucos, vai adormecendo. Enquanto ainda está consciente, implora “por favor, me deixem ir ao velório dela”.

Então, o homem, calmamente, se levanta. Ele observa Serje sucumbindo aos efeitos do medicamento e, enquanto sai do quarto, diz, com um misto de ternura e pena, “não se preocupe, eles não sentirão sua falta no velório”.

“Afinal, você nunca a conheceu”.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Tempo para isso

A moça me parou, no meio da rede, da noite, e perguntou, como quem não quer nada, mas, ao mesmo tempo, tudo: - Porque tanto ponto, tanta vírgula, tanto ponto e vírgula?
.;.

- É, para, te, fazer, respirar.


Querida.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Timidez

Samba em Em

Perdi e não joguei
Fiquei parado e voltei
caí numa armadilha que eu mesmo me armei

Desejei e não satisfiz
na tua vontade fiquei
parado, desajeitado, fiz mesmo que não olhei

A verdade é que não suporto
viver nesse meio mundinho
no qual meu conforto incomoda
e não me deixa dormir

e, para mim,
cada dia se parece mais difícil
Não sei acabar com isso
viver está se tornando radiotivo.