Caminhando por uma cidade que não era a sua, se viu como um homem que não era ele, com hábitos e jeitos que não eram seus e com uma fala estranha. Olhou-se bem no espelho, sentiu a vertigem de ter que se conhecer de novo e que talvez não houvesse tanto tempo para tal.
- Hahaha! Deixa de coisa, homem. Sabe o que você precisa? Dos braços de uma mulher para se acalmar - diziam seus irmãos, quase em coro, mesmo sem combinarem.
Atacou ferozmente seus velhos hobbies, com se quisesse conhecer um homem que já não conseguia encontrar, meteu com fotografia, música, corrida, papo solto; o resultado era um cansaço interminável e falta de tempo para tudo.
Resolveu, então, pegar um ônibus e ir descansar em outras paragens, encontrar pessoas queridas que não via há tempos. Pensava consigo mesmo que ia ouvir as palavras que mais estava odiando nesse momento de sua vida: "Nossa, como você está mudado...".
Ao chegar na rodoviária de seu destino, encontrou a mulher que mais amara em sua vida, e que o descobriu como ninguém olhando em seus olhos. A criatura pequena se aproximou, cheia de malas na mão:
- Quem é vivo sempre aparece, garotão! - ela o chamava assim, como se chama um de seus filhos.
- Pois é... e quem está vivo, está sempre pronto para partir - disse apontando para as malas que ela tinha nas mãos.
- Ah, isso? - ela levanta as malas - Isso é porque eu decidi viajar com o "grandão". E justo para sua cidade!
- "Grandão"?
- É. É o nome que dei a ele - e apontou o homem que comprava passagens em um dos guichês ao fundo do cenário.
- Seu novo namorado?
- Sim.
Estranhamente, aquela palavra afirmativa batera-lhe como um soco leve no seu queixo.
- A vida segue - disse ele, dando aquele sorriso malandro próprio de si.
- Pois é - respondeu aquele sorriso pequeno.
O homem grande no fundo do cenário acena com a mão, indicando algo como "comprei as passagens" ou "o ônibus já vai sair". Então, ela balança sua pequena cabeça afirmativamente para ele e me dá um grande abraço, mais do que seus braços pareciam poder dar. Então, ela me olha nos olhos e segura meu rosto com suas mãos pequenas e diz:
- Nossa, você não mudou nada.
Ao falar isso, levanta suas malas e sai. Ele fica prostrado por alguns minutos, como se estivesse em choque. Então, sai correndo para o guichê de fundo de cenário, compra uma passagem e corre para algum ônibus que está prester a partir.
...
Um casal, de aparência desproporcional, um homem enorme de seus 1,90 e uma mulher pequena de 1,53, se amassa no fundo do ônibus. A presença de um homem na frente deles, empurrando sua poltrona para trás, os incomoda. A mulher, pacientemente, ao contrário do homem, vai resolver delicadamente a situação com o cidadão.
- Olá, você... você?
- Eu.
- Você não tinha acabado de chegar.
- Sim.
- E por que já vai voltar?
- Porque já consegui o que queria.
A pequena olha intrigada para aquele garotão malandro sorrindo para ela e pergunta:
- E o que você veio buscar?
- Eu.
E encostou a cabeça para dormir como não dormia desde os tempos que parecia ter todo o tempo do mundo.
Gustavo Gabriel
* Texto postado no ehcadacoisaqueacontece.blogspot.com